sexta-feira, 31 de julho de 2009

ALEGRES MEMÓRIAS DE UM CADÁVER, de Roberto Gomes


Quando encontrei Alegres Memórias de um Cadáver (Edições Criar, 1987) em um sebo curitibano, fui logo ler a orelha do livro para saber do que se tratava. Vou transcrever o trecho inicial dessa pequena apresentação:

"Uma das parábolas mais bem realizadas a respeito da realidade brasileira contemporânea. Alegres Memórias de um Cadáver, apesar do título, não se filia nem ao romance picaresco nem ao chamado realismo fantástico latino-americano. Sob a estrutura típica de um romance realista, com uma pitada importante de humor, referente ao cadáver a que alude o título, a obra de Roberto Gomes, a partir do microcosmo de uma universidade situada em Curitiba, de onde vem o escritor e filósofo, situa uma lúcida análise do macrocosmo social nacional."

Ainda acordado, leitor? Bem, não sei você, mas eu imaginei que o livro devia ser uma chatice ao ler essa descrição rebuscada. Mesmo assim, arrisquei e comprei a obra, achando que havia uma mínima chance de ser interessante. Quem diria, o livro acabou se revelando um dos mais legais que já li!

A trama pode ser resumida da seguinte forma: o corpo de um bibliotecário é contrabandeado para o departamento de medicina de uma universidade e, após uma aula de anatomia, acorda na escuridão noturna em seu tanque de formol; a princípio rígido como... bem, como o cadáver que é, ele aos poucos consegue se levantar e caminhar pelo local, perguntando-se se o além-vida é aquilo mesmo. Seu amor pela leitura o leva à biblioteca, onde fará suas leituras noturnas (incluindo, ironicamente, o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas). Pois bem, acontece que a tal faculdade é controlada pelo vice-reitor Gregório, homem ignorante, violento e misógino, que toma para si o controle da instituição (passando por cima do reitor molenga); para Gregório, o verdadeiro poder é o medo. Dessa forma, a universidade acaba assumindo ares de ditadura militar (a história se passa nesse período negro), com estudantes oprimidos que não sabem muito bem contra o que lutar. Mas os boatos de que um cadáver se levantou para ler os livros da biblioteca revela-se uma prova inequívoca de que a ordem pode ser desafiada, provocando o caos e dando força aos universitários para manifestarem sua revolta contra a instituição (o que, por sua vez, desperta o poder repressivo da própria universidade/estado).

Sim, sim, tudo parece politizado demais, no entanto, a narrativa irônica e saborosa de Roberto Gomes vai muito além da fábula política: o cadáver acaba se tornando um herói não apenas dos estudantes revoltados, mas também do leitor que compartilha com o defunto sua paixão pela literatura! É um prazer imenso ver como o personagem consegue burlar e fazer o sistema de bobo, enganando a segurança e o poder instituído. No final, o livro funciona não só como uma homenagem à literatura, mas também ao gênero terror; acredito que esta homenagem pode ter sido involuntária, mas há um trecho na obra (não posso revelar aqui) que deixa todos, sejam leitores em geral ou aficionados pelo horror, com um sorriso de orelha a orelha.

Concluindo, Alegres Memórios de um Cadáver é uma delícia: engraçado, mordaz e tenso, este é um livro direcionado para todos os amantes das letras. Uma palavra para resumir? Leia.

Abraços!

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